Observando
a paisagem que entra por minhas janelas todos os dias há anos, noto, em
meio às montanhas recobertas pela mata verdejante da Floresta da Tijuca,
uma formação rochosa que emerge tão agressivamente quanto um espinho.
Curioso
isso... Naturalmente, ela esteve ali durante todo esse tempo em que meu
olhar vem passeando por aquelas encostas, elevações, ondulações,
protuberâncias: todas recobertas por incontáveis tons de verde;
salpicadas de branco e, às vezes, após a chuva, também de prata.
Mas
nunca havia reparado naquele espinho de pedra... É uma montanha
parecendo feita de uma rocha só, que sai serenamente da terra em meio a
todas as outras. Todas com sua cobertura natural de mata; ela com sua
cobertura natural de lâmina. No entanto, tão perfeitamente integrada!
Deixei
de fazer o que estava fazendo – ou não fazendo, pois, desde quando
máquina de lavar roupa precisa de alguém olhando, enquanto trabalha? – e
me dispus a pensar a respeito da razão pela qual aquela montanha aguda
de pedra passou a eclipsar todas as outras; o motivo de, mesmo sem
olhá-la, ela não sair de minha retina...
É...
Acho que entendi. Penso ser porque tenho, como o Parque Nacional da
Tijuca, espinhos. A esperança é que eles estejam tão bem integrados a
meu todo, que passem despercebidos. Como aquela montanha, meus ferrões
não devem ser destaque, não devem ter papel importante, não devem
aparecer. Que estejam, sim, a incomodar somente a mim; a estimular minha
evolução; sejam parte de meu jardim.
Sei
que já foi diferente e lamento. Perdi tanto tempo usando mais a
elevação de espinho do que as de mata promissora, que quase esqueci para
que serviam estas outras tantas montanhas que existiam em mim.
Foi
preciso um longo e doloroso olhar em toda minha formação e no modo como
a vinha utilizando. Deixar de ser o que se vinha sendo há tanto tempo é
morrer... Morro um pouco todo dia. Será que o caminho para o
aprimoramento não é morrer um pouco, até o fim? Para-se de morrer em
algum momento muito antes da morte? Ou quando se para de morrer é porque
está na hora do fim: alcançou-se a plenitude e chega-se à morte.
Quem
já não ouviu: “Fulano estava tão feliz: no auge da carreira, uma
família maravilhosa, os sonhos realizados e, no entanto, morreu.”
Hummm,... Talvez não seja no entanto; talvez seja por isso.