segunda-feira, 23 de novembro de 2020


Olhou-me um olhar longo
De olhos claros redondos
Olhando assim tão catita
Olhei de volta cativa
O que ela assim me dizia
Com esse jeito que dá cria
A amores os mais escondidos
Os meus por ela escolhidos
Queria a menina
De nome Nina
Ser minha pequenina.

 

Observando a paisagem que entra por minhas janelas todos os dias há anos, noto, em meio às montanhas recobertas pela mata verdejante da Floresta da Tijuca, uma formação rochosa que emerge tão agressivamente quanto um espinho.
Curioso isso... Naturalmente, ela esteve ali durante todo esse tempo em que meu olhar vem passeando por aquelas encostas, elevações, ondulações, protuberâncias: todas recobertas por incontáveis tons de verde; salpicadas de branco e, às vezes, após a chuva, também de prata.
Mas nunca havia reparado naquele espinho de pedra... É uma montanha parecendo feita de uma rocha só, que sai serenamente da terra em meio a todas as outras. Todas com sua cobertura natural de mata; ela com sua cobertura natural de lâmina. No entanto, tão perfeitamente integrada!
Deixei de fazer o que estava fazendo – ou não fazendo, pois, desde quando máquina de lavar roupa precisa de alguém olhando, enquanto trabalha? – e me dispus a pensar a respeito da razão pela qual aquela montanha aguda de pedra passou a eclipsar todas as outras; o motivo de, mesmo sem olhá-la, ela não sair de minha retina...
É... Acho que entendi. Penso ser porque tenho, como o Parque Nacional da Tijuca, espinhos. A esperança é que eles estejam tão bem integrados a meu todo, que passem despercebidos. Como aquela montanha, meus ferrões não devem ser destaque, não devem ter papel importante, não devem aparecer. Que estejam, sim, a incomodar somente a mim; a estimular minha evolução; sejam parte de meu jardim.
Sei que já foi diferente e lamento. Perdi tanto tempo usando mais a elevação de espinho do que as de mata promissora, que quase esqueci para que serviam estas outras tantas montanhas que existiam em mim.
Foi preciso um longo e doloroso olhar em toda minha formação e no modo como a vinha utilizando. Deixar de ser o que se vinha sendo há tanto tempo é morrer... Morro um pouco todo dia. Será que o caminho para o aprimoramento não é morrer um pouco, até o fim? Para-se de morrer em algum momento muito antes da morte? Ou quando se para de morrer é porque está na hora do fim: alcançou-se a plenitude e chega-se à morte.
Quem já não ouviu: “Fulano estava tão feliz: no auge da carreira, uma família maravilhosa, os sonhos realizados e, no entanto, morreu.” Hummm,... Talvez não seja no entanto; talvez seja por isso.