terça-feira, 26 de setembro de 2017

Sapato alheio



Cada pessoa é
O que lhe couber.
E, para mudar,
Não há meios,
Se forem alheios.

Seu mundo é você
E tudo em que crê.
O mundo do outro é o outro.
E nada cabe a você,
Em lugar dele, fazer.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Bumerangue



Se não quero retrocesso,
Doer é parte do processo
De meu eterno sair de casulos.
Busco, dessa forma, viver,
Cascas deixando envelhecer.

Nada em mim se perdeu,
Pois a casca não sou eu,
Uma vez que é eterno,
Buscando seu apogeu,
O imortal eu meu.

A metamorfose minha
Pela eternidade caminha,
Esperando me tornar o que sou.
Porque, assim como você,
Sou um infindável ser.

Saberei que no caminho estou,
Se como bumerangue eu for.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Brincar de não dormir



O sono se escondeu de mim.
Até dez contei,
E, indo procurá-lo,
Não o achei.

O sono correu de mim.
Parti em seu encalço,
Porém, ele, mais rápido,
Fez de mim palhaço.

Quer brincar de abandono
Nesta noite,
Comigo o sono.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Os temidos sábados



Ah, meu Deus! Aí vem ela com seus apetrechos de tortura! Isso só pode significar que hoje é sábado, dia de grande sofrimento. Já posso experimentar a agonia do que me espera! Antecipo a dor imensa que sentirei.  Que medo! 
Ela está cada vez mais perto!
Minha aflição é cada vez maior!
Toda semana é isso: tortura com dia e hora marcados. Que tormento! Já estou sofrendo todas as agruras pelas quais – a não ser que haja um milagre – passarei daqui a pouco.
E ela chega.
_Não! Não quero! – Desespero-me, enquanto grito meus gritos mudos.
Ela já me segura, firmemente, entre suas poderosas e impiedosas mãos. Como sou frágil! 
Nada mais posso fazer, a não ser agarrar-me desesperadamente à pouca área que tenho, numa tentativa angustiada de sobreviver aos arrancos e puxões.
Indefeso, queria chorar. 
E choro, mesmo que lágrimas secas e caladas, pois tenho sempre a esperança de que elas levem minha angústia para algum lugar. 
Choro meu pranto enxuto, emudecido, engolido.
E isso acontece há muitos e muitos e muitos sábados, todos os de que me lembro nestes meus tenros anos.
Quanta violência, meu Deus! Violência irmã da ignorância; da falta de conhecimento; da escassez de ternura; da ausência do saber dar amor, pois ela não o recebeu. O que há é a raiva de amar sem saber amar, mas ter que amar; o amor sem ternura, sem cuidado, sem afago. A raiva de amar e, por isso, ter que cuidar, sem alternativas. Então, a raiva é tudo o que há. 
Terá isso fim, um dia?
Ah, sim, teve um final! Minhas preces foram ouvidas! 
Após quatorze anos de cativeiro, falam da solução, da liberdade em forma de corte.
_O quê? Mais tortura?!
Não, ele estava dizendo que tudo ficaria bem. Que isso era o melhor a fazer.
Sei não...
É, mas me entreguei, pois o medo da solução era bem menor do que o pavor da conhecida flagelação semanal.
_ Tá, mas não quero ver! Isso parece muito assustador! Cortar-me? Não quero olhar! Ih, mas é impossível deixar de ver.
E, milagrosamente, já com o primeiro corte, começa o alívio. O que tiram de mim me torna mais leve! Mais e mais leve! Cada vez mais perto da liberdade.
E olhe eu aí ao vento! Que delícia! Livre e livre e livre! 
Nunca mais aquele martírio! Os sábados deixariam de ser receados.
Porém, a liberdade não foi vista com bons olhos: eu e meu benfeitor fomos castigados pela audácia. Eu tive prisão domiciliar por uma semana; ele foi banido do convívio familiar por um bom tempo.
Mas, tudo bem, passou! Fiquei livre do suplício!
E tem mais, agora, posso ser o que quiser e como quiser!
 Ora cacheado,
Outro dia liso.
Ontem, eu estava ondulado,
Amanhã, estarei com friso!
Minha carapinha
Agora é minha!
Posso ostentar,
Até mesmo, minhas molinhas!