Ah,
meu Deus! Aí vem ela com seus apetrechos de tortura! Isso só pode significar
que hoje é sábado, dia de grande sofrimento. Já posso experimentar a agonia
do que me espera! Antecipo a dor imensa que sentirei. Que medo!
Ela está
cada vez mais perto!
Minha aflição é cada vez maior!
Toda
semana é isso: tortura com dia e hora marcados. Que tormento! Já estou sofrendo
todas as agruras pelas quais – a não ser que haja um milagre – passarei daqui a
pouco.
E
ela chega.
_Não! Não quero! – Desespero-me,
enquanto grito meus gritos mudos.
Ela
já me segura, firmemente, entre suas poderosas e impiedosas mãos. Como sou
frágil!
Nada mais posso fazer, a não ser agarrar-me desesperadamente à pouca
área que tenho, numa tentativa angustiada de sobreviver aos arrancos e puxões.
Indefeso,
queria chorar.
E choro, mesmo que lágrimas secas e caladas, pois tenho sempre
a esperança de que elas levem minha angústia para algum lugar.
Choro meu pranto
enxuto, emudecido, engolido.
E
isso acontece há muitos e muitos e muitos sábados, todos os de que me lembro nestes
meus tenros anos.
Quanta
violência, meu Deus! Violência irmã da ignorância; da falta de conhecimento; da
escassez de ternura; da ausência do saber dar amor, pois ela não o recebeu. O
que há é a raiva de amar sem saber amar, mas ter que amar; o amor sem ternura,
sem cuidado, sem afago. A raiva de amar e, por isso, ter que cuidar, sem alternativas.
Então, a raiva é tudo o que há.
Terá isso fim, um dia?
Ah,
sim, teve um final! Minhas preces foram ouvidas!
Após quatorze anos de cativeiro, falam
da solução, da liberdade em forma de corte.
_O
quê? Mais tortura?!
Não,
ele estava dizendo que tudo ficaria bem. Que isso era o melhor a fazer.
Sei
não...
É, mas
me entreguei, pois o medo da solução era bem menor do que o pavor da conhecida
flagelação semanal.
_ Tá,
mas não quero ver! Isso parece muito assustador! Cortar-me? Não quero olhar! Ih,
mas é impossível deixar de ver.
E,
milagrosamente, já com o primeiro corte, começa o alívio. O que tiram de mim me
torna mais leve! Mais e mais leve! Cada vez mais perto da liberdade.
E
olhe eu aí ao vento! Que delícia! Livre e livre e livre!
Nunca mais aquele
martírio! Os sábados deixariam de ser receados.
Porém,
a liberdade não foi vista com bons olhos: eu e meu benfeitor fomos castigados
pela audácia. Eu tive prisão domiciliar por uma semana; ele foi banido do
convívio familiar por um bom tempo.
Mas,
tudo bem, passou! Fiquei livre do suplício!
E
tem mais, agora, posso ser o que quiser e como quiser!
Ora
cacheado,
Outro
dia liso.
Ontem,
eu estava ondulado,
Amanhã,
estarei com friso!
Minha
carapinha
Agora
é minha!
Posso
ostentar,
Até
mesmo, minhas molinhas!