quarta-feira, 5 de julho de 2017

Ela, assim como eu.



    Observando a paisagem que vejo de minhas janelas todos os  dias, há anos, notei, em meio às montanhas recobertas pela Floresta da Tijuca, uma formação rochosa que emerge tão agressivamente quanto um espinho.

    Curioso... Ela esteve lá, claro, durante todos esses anos em que venho passeando meu olhar por aquelas encostas, elevações, ondulações, protuberâncias: todas recobertas por incontáveis tons de verde, salpicadas de branco e, às vezes, após a chuva, também de prata.

    Porém, nunca havia me detido naquele espinho de pedra. É uma imensa rocha que sai naturalmente em meio a todos os outros montes. Todos com sua cobertura natural de mata; ela com sua cobertura natural de lâmina.

    No entanto, tão perfeitamente integrada...

    Deixei de  fazer o que estava fazendo – ou não fazendo, pois desde quando máquina de lavar roupa precisa de alguém olhando enquanto faz seu ofício? – e me dispus a pensar a respeito da razão pela qual aquela montanha aguda de pedra passou a eclipsar todas as outras; o motivo de, mesmo sem olhá-la, ela não sair de minha retina...

    Acho que entendi. É porque tenho, como o Parque Nacional da Tijuca, meus espinhos. A esperança é que eles estejam tão bem integrados a meu todo que passem despercebidos. Como aquela montanha, os meus espinhos não devem ser destaque, não devem ter papel importante, não devem aparecer.

    Sei que já foi diferente e lamento. Perdi tanto tempo usando mais a elevação de espinho do que as de matas promissoras, que quase esqueci para que servem as outras tantas montanhas amigáveis que existem em mim.

    Foi preciso um longo e doloroso olhar na minha formação rochosa e no modo como a vinha utilizando. Deixar de ser o que se vinha sendo há tanto tempo é morrer. Morro um pouco todo dia.

    Será que o caminho para o aprimoramento não é morrer um pouco dia após dia até o fim? Para-se de morrer antes da morte? Ou quando se para de morrer é porque está na hora do fim: alcançou-se a plenitude e chega-se à morte?

    Quem já não ouviu: Ele estava tão feliz. No auge da carreira, uma família maravilhosa, os sonhos realizados e, no entanto, morreu.

    Talvez, não seja no entanto; talvez, seja por isso.