quarta-feira, 29 de abril de 2020

E se...


E se experimentássemos um olhar novo...

- sobre nós mesmos? Sem julgamentos, arrependimentos ou cobranças. Um ver-se com bondade, compreendendo que tudo o que fizemos foi o que era possível no momento. Reconhecendo e aceitando que fomos o que era possível ser. Isso é mais do que autoperdão: é descobrir que não há o que perdoar. Em mim, essa perspectiva – essa compreensão – abriu espaço para eu ser mais e melhor.

- sobre os outros? Sem críticas ou exigências. Uma visão de irmão que abarca o outro e traz para o coração, que é de onde todo olhar deve partir. Isso é mais do que amar. É ser UM, pois não existe OUTRO. Em mim, esse entendimento – essa percepção – tornou meu caminhar mais leve.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Sobre a pandemia


Senhor,
Contemplando a beleza desse dia que se finda, gostaria de conversar um pouco.
Por enquanto, – sabe? – ainda não entendi muito bem o que está acontecendo.
Mas, diante do mundo que se virou de cabeça para baixo – ou será cabeça para cima? –, sei que preciso:
- PÔR-ME em Seus Braços, pois esse é o lugar mais seguro;
- REZAR para que meus irmãos também encontrem Esse Caminho;
- CONFIAR que isso tudo tem um propósito divino;
- ACEITAR que tudo que nos acontece é de nossa responsabilidade, foi atraído ou criado por nós mesmos para nosso aprendizado e crescimento;
- FAZER o que tiver a meu alcance para que passemos todos por essa turbulência em harmonia e paz, saindo dela renovados, religados a nosso plano divino;
- AGRADECER pela oportunidade de renovação, de aprimoramento, de reconexão com o Universo;
- PEDIR PERDÃO à Terra se eu, meus parentes ou ancestrais lhe fizemos mal, provocando o surgimento dessa doença.
Assim está feito, está selado e está determinado!

terça-feira, 14 de abril de 2020

O que acabou


O que acabou?
Fingindo recostar, mas estando mesmo é quase deitado na cama, ouço o canto sussurrado de minha mulher que sai do chuveiro.
Eu mesmo não sei o que é cantar há anos. Quando terei parado de cantar, de sorrir, de vibrar, de torcer, de me alegrar com ela? Acho que foi quando começaram as brigas. Acho que substituí tudo isso por discussões com ela. Não, acho, na verdade, que todas as nossas discussões têm, como pano de fundo, essa minha mudança. As desavenças começaram porque eu findei; o que fui empalideceu, murchou, esfriou. Deixei de me importar, de me comprometer, acho. Quando? Não sei bem! Por quê? Também não sei!
Entrando no quarto somente de toalha na cabeça, ela puxa uma cadeira para frente das gavetas. Sentada, põe-se a examinar e comparar calcinhas e sutiãs. Cuidadosamente pensadas, duas peças de mesma cor são separadas.
Vestindo a parte de cima, com o fecho para frente, ela abotoa e a gira para trás, enfiando os braços. Competentemente, ajusta uma alça que estava revirada – nas costas! Quanta maestria!
Mas por que primeiro vestiu o sutiã? Sua nudez mais pungente, para ela, estaria nessa parte de seu corpo? 
A partir de agora, quando ela me oferecer seus seios, no amor, os tomarei com muito mais reverência e ardor, sabendo que estará, naquele momento, se expondo inteira.
Ela, após se certificar do perfeito ajuste desse vestir, toma a calcinha e passa cada uma das pernas; levanta-se e a ajusta em sua anatomia. Testa cada elástico, alisa uma dobra inexistente, mirando e revirando sua imagem no espelho.
Curioso isso... Para o sutiã, confiou e se guiou pelo tato, pelo instinto, pelos movimentos precisos, pelo sentir; para o resto das roupas, incluindo a calcinha, usa o espelho.
Vestida, solta os cabelos ainda molhados, penteando-os com os dedos, em gestos imemoriais, ancestrais, modelando os cachos selvagens doces íntimos úmidos.
Está pronta para começar o restante de sua vida!
Tendo acabado nossa pressa, pude ver minha mulher de anos.
Tendo o mundo parado, meu olhar pôde perambular por ela!
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O que acabou?
Acho que ele ainda está na cama...
Bem, essa já é uma diferença em seu padrão urso-que-acorda-cedo-revoltado-com-tudo-o-que-há. Que imagem engraçada: um boneco com a cara dele e o corpo de urso a rosnar para as flores, os pássaros, o sol, as estrelas... É bom rir disso. Gostei!
Que banho! Parece que minha alma foi lavada junto com corpo e cabelos! Como é bom ter tempo! Êpa, estou cantando, estou sorrindo! Quando terei deixado de ser essa sapeca que me surge agora? Acho que fui mudando por conta das brigas. Ou as brigas começaram porque mudei? Mas não mudamos todos? É, mas não necessariamente eu precisava me tornar tão amargurada e ranzinza. Bem que poderia ser mais tolerante com as imperfeições: minhas e dele. Entrei num padrão de reclamação, num loop de insatisfação, numa doentia certeza de que somente eu estava sempre certa e ele sempre errado.
É, ele ainda está lá na cama... e – caramba! – começa deliciosamente a se parecer com aquele ele que conheci...
Não precisar secar os cabelos! Ahhhh, que libertação!!!
Sinto o olhar dele sobre mim. SINTO o olhar dele EM MIM!
Que gostoso ser assim olhada! Não surge vergonha em saber que meu corpo maduro está sendo observado, porque não me parece que ele esteja vendo somente o corpo. Ele está ME vendo!
E é para esses novos olhos que, agora vagarosa, executo os gestos de todo dia.
Cada ato, cada cuidado, cada peça de roupa vestida é um despir a alma. Vou me desnudando, enquanto me cubro de mim. E ele observa, absorve, sorve!
Percebo seu jeito íntimo de  dobrar o olhar, de quedar a cabeça em mim; um repousar de gestos, um abandonar de sentidos.
Seu olhar permeia meu despir, me desvirginando, revirginando, desvirginando, revirginando, des...
Nunca fui tão minha para ele; nunca ele foi tão dele para mim!
O amor precisa de economia de gestos, contenção do fazer, espaço para ser.
Tendo a pressa acabado, o vagar trouxe o amor.
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O que começou?
Pronta, ela se vira para mim. Esplêndida, plena!
Tudo nela me diz:
- Estou pronta para ser o que sou e vislumbro tudo o que posso ser; estou pronta para conhecer a sabida felicidade do prazer; estou pronta para alcançar meu infinito milenar.
Quem eu fui, sou e serei encontrou agora, neste seu novo eu, a unificação almejada. Porque você é, eu também pude ser. Contemplo, em seus olhos, meu voo vertiginoso num céu índigo sem estrelas.
Você vem?
Aberto, ele espera por mim. Disponível e receptivo como nunca esteve, tudo nele me diz:
- Estou aberto para receber e dar tudo o que minha alma quiser abarcar; estou aberto para aceitar o que sou e tiver de me tornar; estou aberto para nunca mais fechar meu amoroso olhar.
Ao encontrar esta nova você, me tornei o que sou.
Posso, agora, me perder no infinito caminho de mim, pois achei minha inteireza nunca encontrada.
Você vem?
E todas as possibilidades de troca levam aos píncaros do todo, tornando-os nada.