domingo, 28 de abril de 2019

Saindo de você


Você me acompanhou desde sempre, pois não me lembro de um momento de minha vida em que você lá não estivesse. Sem motivo sabido, sem razão aparente, sem um porque plausível. Acompanhava-me e pronto!
Mas, para mim, não eram “favas contadas”. Eu precisava saber, necessitava entender. E, acima de tudo, queria achar a possibilidade de, até mesmo, viver sem você. Ansiava pela hora do basta!
Depois de anos de convivência, comecei um caminho de cura de você. Em vez de me revoltar com sua presença, passei a olhar você como parte de mim, a buscar o que em mim era você. Para essa tarefa, entendi que era preciso mergulhar em mim. Ir fundo, até onde não havia você. E, a partir dali, vir voltando para separar os siameses.
E fui assim fazendo. E esse fazer levou anos. E, nesses anos, me vi. Debulhei cascas, muitas vezes, dolorosas; esvaziei compartimentos, me desfazendo do que não me cabia; iluminei cantos, diferenciando o que era meu; refiz caminhos, ora acertando, ora voltando atrás; abracei abraços, há muito ofertados; e descansei em colos, alguns bem inusitados.
A cada etapa da viagem, um alumbramento! Pois, a cada janela, uma descoberta; a cada paisagem, um novo olhar; a cada mundo, uma nova forma de viver! Vim vindo, vindo, vindo...
E cheguei aqui sem você!
Em que momento você surgiu? Não sei. Quando você se foi? Também não sei.
Só sei que, desfazendo-me, compreendi meus descaminhos que fizeram você; refazendo-me, meus novos caminhos desfizeram você. Nesta des-coberta eu, já não cabe você.
Você se foi, tristeza, sem nem dizer adeus!
Precisava mesmo não, tá?