terça-feira, 3 de outubro de 2017

Morrer, verbo com tempo próprio.



Enquanto caminho, alguém se aproxima esbaforidamente e, me acompanhando, fala:

_ O tempo parece que vai mudar, né?

É uma mulher de meia idade, alourada, simples e com um quê de elegante amabilidade e intimidade que conquista e aconchega, me proporcionando a bem-vinda sensação de não estar só neste imenso mundo.

Ali estava ela falando comigo naturalmente, como se me conhecesse desde sempre; como duas criaturas que partilharam e partilharão toda uma eternidade!

Ela é, seguramente, mais nova do que eu; no entanto, me faz lembrar minha avó paterna. Desse jeito eu era tratada, desde criancinha, por aquela minha avó: como uma pessoa, alguém igual com quem se compartilha amor e respeito naturalmente. Estava sendo tão bom e simples conversar com ela, como o fora sempre com minha avó: aquela mesma forma de não ser importante o que dizíamos, mas a perfeita comunhão, a paz que comungávamos.

Eu falava e caminhava com aquela mulher, mas era como estar suspensa no tempo e no espaço. Naquele momento, eu era apenas uma criatura tocada pela distinção de um estado perfeito.

E foi, então, que ela disse:

_ Incrível, já é o final do ano! Outro dia mesmo, estávamos comemorando a chegada dele, não foi?

_ Foi. E cada ano passa mais rápido! – respondi.

Isso seria mais um trecho banal de nossa conversa amena, se ela não tivesse falado, em seguida:

_ É porque Deus tem pressa.

Respondi que, então, deveríamos também nos apressar para estarmos prontos para Ele.

Entrando já no shopping, despedimo-nos afavelmente.

E a frase dela – Deus tem pressa! – ficou reverberando em minha cabeça...

Comprei ingresso para o cinema. Deus tem pressa!

Ainda faltava, pelo menos, uma hora para o início do filme, e resolvi lanchar. Deus tem pressa!

Sentei para comer, deixando minha alma ir junto com meus olhos que sobrevoavam a Enseada de Botafogo e aléns...

Deus tem pressa.  Deus tem pressa.  Deus tem pressa.

Ah, entendi!

Penso que entendi...

Talvez essa frase esteja relacionada à minha mudança; à mudança que ocorreu em mim com relação à ideia de morte, depois do falecimento de minha mãe.

Sempre pensei em minha morte e, inclusive, em momentos de angústia profunda – E foram muitos! –, a desejei.

Então, oscilavam assim meus pensamentos sobre o tema: ou minha morte era algo que sabia aconteceria um dia, como para todo mundo, aliás, ou era algo pelo que eu ansiava.

Ia tocando o assunto dessa forma, até que minha mãe faleceu. Depois disso, percebo, a questão ganhou outro enfoque. Enquanto os pais estão vivos, a própria morte parece algo não natural, pois a ordem apropriada é a de que os mais velhos partam primeiro. Então, mesmo que se pense na própria morte, ela é pouco provável, pois os pais ainda estão vivos.

No momento em que minha mãe se foi, comecei a pensar, mesmo sem me dar conta: “Pronto, em algum momento, a partir de agora, será a minha vez.”

E foi aí que: as mazelas começaram a aparecer; cada dor pode ter um significado sinistro qualquer; cada sintoma pode prenunciar o começo do fim. Ihhh, é preciso estar pronta, por as coisas em dia...

Isso me faz lembrar que, depois dos trinta e cinco anos, quando comecei a usar óculos para leitura, sempre disse que meus olhos sabem quando faço aniversário, pois, logo depois de março, as lentes já começam a precisar ser trocadas. A cada ano, logo depois de completar mais uma primavera, lá vou eu para a consulta obrigatória ao oftalmologista e a consequente constatação de um ou, com sorte, meio grau a menos na visão.

Pois é, acho que algo semelhante acontece quando perdemos os pais, o corpo começa a sinalizar, evidenciar o início da decrepitude, e – será? –, talvez, vá mostrando, progressivamente, paulatinamente, que é chegada a nossa vez.

E com mais este agravante: Deus tem pressa!

Agora, logo na minha vez, Deus está pressa!