Enquanto caminho, alguém
se aproxima esbaforidamente e, me acompanhando, fala:
_ O tempo parece que
vai mudar, né?
É uma mulher de meia
idade, alourada, simples e com um quê de elegante amabilidade e intimidade que
conquista e aconchega, me proporcionando a bem-vinda sensação de não estar só
neste imenso mundo.
Ali estava ela falando
comigo naturalmente, como se me conhecesse desde sempre; como duas criaturas
que partilharam e partilharão toda uma eternidade!
Ela é, seguramente,
mais nova do que eu; no entanto, me faz lembrar minha avó paterna. Desse jeito
eu era tratada, desde criancinha, por aquela minha avó: como uma pessoa, alguém
igual com quem se compartilha amor e respeito naturalmente. Estava sendo tão
bom e simples conversar com ela, como o fora sempre com minha avó: aquela mesma
forma de não ser importante o que dizíamos, mas a perfeita comunhão, a paz que
comungávamos.
Eu falava e caminhava
com aquela mulher, mas era como estar suspensa no tempo e no espaço. Naquele
momento, eu era apenas uma criatura tocada pela distinção de um estado
perfeito.
E foi, então, que ela
disse:
_ Incrível, já é o
final do ano! Outro dia mesmo, estávamos comemorando a chegada dele, não foi?
_ Foi. E cada ano
passa mais rápido! – respondi.
Isso seria mais um
trecho banal de nossa conversa amena, se ela não tivesse falado, em seguida:
_ É porque Deus tem
pressa.
Respondi que, então,
deveríamos também nos apressar para estarmos prontos para Ele.
Entrando já no
shopping, despedimo-nos afavelmente.
E a frase dela – Deus tem pressa! – ficou reverberando em
minha cabeça...
Comprei ingresso para
o cinema. Deus tem pressa!
Ainda faltava, pelo
menos, uma hora para o início do filme, e resolvi lanchar. Deus tem pressa!
Sentei para comer,
deixando minha alma ir junto com meus olhos que sobrevoavam a Enseada de
Botafogo e aléns...
Deus tem pressa. Deus tem pressa. Deus tem pressa.
Ah, entendi!
Penso que entendi...
Talvez essa frase esteja
relacionada à minha mudança; à mudança que ocorreu em mim com relação à ideia
de morte, depois do falecimento de minha mãe.
Sempre pensei em minha
morte e, inclusive, em momentos de angústia profunda – E foram muitos! –, a
desejei.
Então, oscilavam assim
meus pensamentos sobre o tema: ou minha morte era algo que sabia aconteceria um
dia, como para todo mundo, aliás, ou era algo pelo que eu ansiava.
Ia tocando o assunto dessa
forma, até que minha mãe faleceu. Depois disso, percebo, a questão ganhou outro
enfoque. Enquanto os pais estão vivos, a própria morte parece algo não natural,
pois a ordem apropriada é a de que os mais velhos partam primeiro. Então, mesmo
que se pense na própria morte, ela é pouco provável, pois os pais ainda estão
vivos.
No momento em que
minha mãe se foi, comecei a pensar, mesmo sem me dar conta: “Pronto, em algum
momento, a partir de agora, será a minha vez.”
E foi aí que: as
mazelas começaram a aparecer; cada dor pode ter um significado sinistro
qualquer; cada sintoma pode prenunciar o começo do fim. Ihhh, é preciso estar
pronta, por as coisas em dia...
Isso me faz lembrar
que, depois dos trinta e cinco anos, quando comecei a usar óculos para leitura,
sempre disse que meus olhos sabem quando faço aniversário, pois, logo depois de
março, as lentes já começam a precisar ser trocadas. A cada ano, logo depois de
completar mais uma primavera, lá vou eu para a consulta obrigatória ao
oftalmologista e a consequente constatação de um ou, com sorte, meio grau a
menos na visão.
Pois é, acho que algo
semelhante acontece quando perdemos os pais, o corpo começa a sinalizar,
evidenciar o início da decrepitude, e – será? –, talvez, vá mostrando, progressivamente,
paulatinamente, que é chegada a nossa vez.
E com mais este
agravante: Deus tem pressa!
Agora, logo na minha
vez, Deus está pressa!