quinta-feira, 12 de julho de 2018

Amor


Quando o outro se vai,
Não é o amor que acaba,
Mas o que se era com ele
De que não mais precisava.

O que estamos amando
É o que vemos de nós:
Uma faceta muito melhor
Da que éramos sós.

Quando compreendemos
Que ele era só um cristal
Onde vemos nós mesmos,
Não há mais final.

O amor em nós está.
Não tem como acabar
Nem dos outros precisar
Para muito e muito amar.

Se o amor que projeto
De mim for objeto
Amarei daqui até o céu 
Sem teto

Espelho de meu coração


O outro é, tão somente, meu avesso,
Aquele lado para o qual reluto olhar.
E, como remédio amargo,
É, também, o que me vai curar.

É necessário e preciso, portanto,
Que ele seja diferente,
Mesmo que me traga pranto.

O diverso me cura de mim,
O igual ecoa meu sim.

Procuro por você,
Meu espelho que vê.

Agradeço a você,
Meu avesso, por ser.

Porquês



Penso que sou minha melhor companhia porque gosto imensamente de estar comigo, entregue a mim, nua de armaduras e olhares. Então, por que quero outra companhia? Justamente por já ser sã o suficiente para gostar de ficar comigo, não busco você para me preencher ou me completar ou me suprir. Mas para gostar, para apreciar e para partilhar. Vou estar inteira com você por você.

É bem verdade que adoro ir ao cinema comigo! Posso mergulhar fundo na estória. Ninguém para falar comigo durante o filme. A senhorinha de um casal idoso, certa vez, precisou me perguntar o que havia sido dito, pois o parceiro dela falou exatamente na hora em que foi dita a frase que elucidaria a trama. E reclamou: “Ele sempre faz isso, minha filha!” Que bonitinha! Quase disse para ela: “Traga mais não, boba. Venha só com você”. E, apesar disso, quero outra companhia, pois, exatamente por haver atingido minha completude, preferindo, inclusive, ir ao cinema sozinha, não preciso de você como par. Busco-o como parceiro de vida, de sonhos, de realizações. Alguém tão inteiro a ponto de não precisar de mim e me querer mesmo assim.

Danço muito bem comigo. Um mundo de rodopios e gingados que somente eu sei acompanhar, num lugar apenas frequentado por mim: meu planeta eu. Vou como que abençoando cada cantinho, visitando cada esquina, ocupando cada espaço que somente a mim cabe. Tiro-me para bailar com a certeza de um sincronismo que só o melhor par poderia proporcionar. Vou e vou e vou, nos meus braços, como parceira perfeita. Afinal, sempre estive só comigo nesta esteira de vidas. Mesmo assim, passei a querer outra companhia, uma vez que, como gosto e já sei viver minhas estórias, aquelas que escolho, apreciaria você, que já igualmente tomou posse de si mesmo e não está me esperando para viver, mas para conviver.

E caminho comigo como ninguém. Posso apenas querer olhar o que por mim passa: a pintura nova daquele prédio, a árvore que floresceu inteira, o tipo de público naquele horário, o cartaz que diversificou os serviços, os animais (miquinhos a me acompanhar, pelos fios, no meio da manhã; fragatas a me sobrevoar, no final da tarde). Há dias em que paro em uma loja ou outra, uma floricultura ou hortifrúti, livraria ou banca ou sebo, feira ou igreja... Caminhar nunca é um ato contínuo dessa modalidade, não tendo o propósito único me exercitar. Preciso ter um objetivo maior, um proveito melhor ou, até mesmo, o prazer de bater pernas sem compromisso com destino ou horário ou esforço físico. Ainda casada, fui abordada por um homem que disse: “Vejo você caminhando sempre sozinha.” Assustada, atravessei a rua, largando-o do outro lado. Aquelas palavras fizeram meu coração doer, pois eu tinha um parceiro. Solidão de aliança é solidão sem esperança. Contando, agora, apenas comigo, aprecio estar só, a meu próprio abrigo. Mas – ai de mim! – adoro cozinhar para alguém e, principalmente, com alguém. Cozinhar com o outro é como fazer magia acompanhado. Caldeirão implica mais de um para a alquimia ficar melhor. Além do que, nada é tão envolventemente íntimo como partilhar o fogão, dividir a pia, provar da panela do outro, pedir opinião sobre um tempero, roubar a colher de pau do parceiro.

Outra coisa de que gosto muito comigo é comer, pois não tenho rigor com horário ou ditadura alimentar. Certo dia, comecei a escrever às 19h e só me dei conta de quanto tempo havia passado quando senti uma ponta de fome: era 1 hora da madrugada! Também posso decidir almoçar somente frutas ou jantar o que se come no café da manhã ou passar o dia só com aperitivos. Tudo é possível. Então, como já sei apreciar e desfrutar a vida, busco alguém que possa fazê-lo comigo. Sou capaz, agora, de dar valor ao que realmente é precioso. Cada momento juntos será tão bom quanto os momentos sozinha, pois os compartilharei não por precisar de você, mas por querê-lo a meu lado no que nos couber caminhar juntos. Vezes existirão em que isso não acontecerá, e tudo bem. É assim mesmo: duas pessoas adultas e inteiras que escolhem se fazer bem, no que for bom para os dois, pois se respeitam e se gostam, entendendo o direito de cada um ser feliz, numa balança equilibrada e justa, na qual ambos contribuem com seu melhor. Além disso, são tolerantes, gentis e generosos com os percalços do outro, já que estamos todos exercitando o viver. Quem obteve o diploma já não precisa mais estar aqui.

Ah, e acho estudar sozinha muito melhor. Tenho meu ritmo, meu método, minhas necessidades, minhas deficiências. Com outra pessoa, fico tentando me adaptar, buscando ser o melhor para o outro, atender suas expectativas. É, estou pronta para mim! Por que, então, quero outra companhia? Porque livros me encantam e sou voraz leitora, porém, estou pronta a passar da fase da leitura silenciosa, como quem faz amor solitariamente. É chegada a hora de ler com outro, ler para outro, ouvir ler o outro. É, sei que há alguém pronto assim para mim.