Penso
que sou minha melhor companhia porque gosto imensamente de estar comigo, entregue
a mim, nua de armaduras e olhares. Então, por que quero outra companhia? Justamente
por já ser sã o suficiente para gostar de ficar comigo, não busco você para me
preencher ou me completar ou me suprir. Mas para gostar, para apreciar e para
partilhar. Vou estar inteira com você por você.
É
bem verdade que adoro ir ao cinema comigo! Posso mergulhar fundo na estória.
Ninguém para falar comigo durante o filme. A senhorinha de um casal idoso,
certa vez, precisou me perguntar o que havia sido dito, pois o parceiro dela
falou exatamente na hora em que foi dita a frase que elucidaria a trama. E
reclamou: “Ele sempre faz isso, minha filha!” Que bonitinha! Quase disse para
ela: “Traga mais não, boba. Venha só com você”. E, apesar disso, quero outra
companhia, pois, exatamente por haver atingido minha completude, preferindo,
inclusive, ir ao cinema sozinha, não preciso de você como par. Busco-o como
parceiro de vida, de sonhos, de realizações. Alguém tão inteiro a ponto de não
precisar de mim e me querer mesmo assim.
Danço
muito bem comigo. Um mundo de rodopios e gingados que somente eu sei
acompanhar, num lugar apenas frequentado por mim: meu planeta eu. Vou como que
abençoando cada cantinho, visitando cada esquina, ocupando cada espaço que
somente a mim cabe. Tiro-me para bailar com a certeza de um sincronismo que só
o melhor par poderia proporcionar. Vou e vou e vou, nos meus braços, como
parceira perfeita. Afinal, sempre estive só comigo nesta esteira de vidas. Mesmo
assim, passei a querer outra companhia, uma vez que, como gosto e já sei viver
minhas estórias, aquelas que escolho, apreciaria você, que já igualmente tomou
posse de si mesmo e não está me esperando para viver, mas para conviver.
E
caminho comigo como ninguém. Posso apenas querer olhar o que por mim passa: a
pintura nova daquele prédio, a árvore que floresceu inteira, o tipo de público
naquele horário, o cartaz que diversificou os serviços, os animais (miquinhos a
me acompanhar, pelos fios, no meio da manhã; fragatas a me sobrevoar, no final
da tarde). Há dias em que paro em uma loja ou outra, uma floricultura ou
hortifrúti, livraria ou banca ou sebo, feira
ou igreja... Caminhar nunca é um ato contínuo dessa modalidade, não tendo o
propósito único me exercitar. Preciso ter um objetivo maior, um proveito melhor
ou, até mesmo, o prazer de bater pernas sem compromisso com destino ou horário
ou esforço físico. Ainda casada, fui
abordada por um homem que disse: “Vejo você caminhando sempre sozinha.”
Assustada, atravessei a rua, largando-o do outro lado. Aquelas palavras fizeram
meu coração doer, pois eu tinha um parceiro. Solidão de aliança é solidão sem
esperança. Contando, agora, apenas comigo, aprecio estar só, a meu próprio
abrigo. Mas – ai de mim! – adoro cozinhar para alguém e, principalmente, com
alguém. Cozinhar com o outro é como fazer magia acompanhado. Caldeirão implica
mais de um para a alquimia ficar melhor. Além do que, nada é tão
envolventemente íntimo como partilhar o fogão, dividir a pia, provar da panela
do outro, pedir opinião sobre um tempero, roubar a colher de pau do parceiro.
Outra
coisa de que gosto muito comigo é comer, pois não tenho rigor com horário ou
ditadura alimentar. Certo dia, comecei a escrever às 19h e só me dei conta de
quanto tempo havia passado quando senti uma ponta de fome: era 1 hora da
madrugada! Também posso decidir almoçar somente frutas ou jantar o que se come
no café da manhã ou passar o dia só com aperitivos. Tudo é possível. Então,
como já sei apreciar e desfrutar a vida, busco alguém que possa fazê-lo comigo.
Sou capaz, agora, de dar valor ao que realmente é precioso. Cada momento juntos
será tão bom quanto os momentos sozinha, pois os compartilharei não por
precisar de você, mas por querê-lo a meu lado no que nos couber caminhar
juntos. Vezes existirão em que isso não acontecerá, e tudo bem. É assim mesmo:
duas pessoas adultas e inteiras que escolhem se fazer bem, no que for bom para
os dois, pois se respeitam e se gostam, entendendo o direito de cada um ser
feliz, numa balança equilibrada e justa, na qual ambos contribuem com seu
melhor. Além disso, são tolerantes, gentis e generosos com os percalços do
outro, já que estamos todos exercitando o viver. Quem obteve o diploma já não precisa
mais estar aqui.
Ah,
e acho estudar sozinha muito melhor. Tenho meu ritmo, meu método, minhas
necessidades, minhas deficiências. Com outra pessoa, fico tentando me adaptar,
buscando ser o melhor para o outro, atender suas expectativas. É, estou pronta
para mim! Por que, então, quero outra companhia? Porque livros me encantam e sou
voraz leitora, porém, estou pronta a passar da fase da leitura silenciosa, como
quem faz amor solitariamente. É chegada a hora de ler com outro, ler para
outro, ouvir ler o outro. É, sei que há
alguém pronto assim para mim.