Um sino da felicidade (ou
dos ventos) e um filtro dos sonhos moram na varanda de meu quarto.
Hoje pela manhã,
deitada em minha cama e coberta pela brisa que corta caminho atravessando o
apartamento, quedei-me a ouvir a conversa dos dois.
Suas vozes são bem
diferentes: enquanto o sino fala alto e um pouco estridentemente; o filtro
sussurra, mas sussurra veementemente. Há firmeza e constância em sua voz
segredante, como a daquelas pessoas que, conscientes de seu falar, o fazem com
propriedade e em tom baixo.
Voltei minha atenção
para o teor da conversa, no momento em que o sino falava da triste sina de seus
antecessores. Talvez, fosse essa a razão da agudeza em sua voz...
O primeiro sino – dizia
ele – foi comprado pelo primeiro marido dela, e tudo foi muito bem durante 15
anos. Aquele sino vivia a ecoar felicidade...
Até que o casamento
acabou. Sobreveio a solidão. O sino, então, resolveu badalar com mais afinco:
era preciso preencher com felicidade o vazio deixado no desfalcado par. E ele
se esforçou tanto, mais tanto, mais tanto, que ficou debilitado e, num dia de
ventania, foi levado!
O tempo passou e passou
sem sino. Até que o novo membro par, perguntando por que aquela varanda com
tanto vento não tinha um sino da felicidade, ouviu dela:
_ Até tinha, mas,
depois do divórcio, o vento levou. Talvez, porque não houvesse mais felicidade
a celebrar.
Pois bem, não se passou
muito tempo e lá chegou ele com um sino. Conhecedor da história do
primeiro sino, ele tratou de comprar outro, como a dizer que a felicidade voltara.
E não é que
funcionou?!?
Tudo foi bem com o
segundo casamento e o segundo sino, durante 8 anos...
Até que reapareceu a
solidão, voltando a ocupar o lugar do amor. E o sino, mais uma vez, pôs-se a
badalar e badalar e badalar, tentando expulsar a solidão e ocupar com
felicidade seu lugar. Mas, de novo, o vento, até então um aliado, tornou-se seu
algoz, levando o já combalido sino embora.
E foi assim que,
durante muito e muito e muito tempo, nesta varanda, o vento - inútil e só - ventou,
sem um sino ao qual ajudar a produzir felicidade. Tristemente, o vento foi
compreendendo que não deveria ter atendido ao pedido dos sinos para soprar cada
vez mais fortemente, naquele afã de encobrir a solidão.
Um dia, a moça, sentindo esse
vento solitário, resolveu que ela compraria um sino. Ela seria a dona de
sua felicidade!
E, desde então, eis-me
aqui a tilintar felicidade, sem esforço.
O filtro dos sonhos,
tendo acompanhado atentamente a estória, disse, meio desconfiado:
_ Está tudo muito bem,
está tudo muito bom, mas como você sabe sobre os outros sinos? Você chegou
muito depois deles!
_ Somos todos um.