quarta-feira, 17 de abril de 2019

Sinos da felicidade


Um sino da felicidade (ou dos ventos) e um filtro dos sonhos moram na varanda de meu quarto.

Hoje pela manhã, deitada em minha cama e coberta pela brisa que corta caminho atravessando o apartamento, quedei-me a ouvir a conversa dos dois.

Suas vozes são bem diferentes: enquanto o sino fala alto e um pouco estridentemente; o filtro sussurra, mas sussurra veementemente. Há firmeza e constância em sua voz segredante, como a daquelas pessoas que, conscientes de seu falar, o fazem com propriedade e em tom baixo.

Voltei minha atenção para o teor da conversa, no momento em que o sino falava da triste sina de seus antecessores. Talvez, fosse essa a razão da agudeza em sua voz...

O primeiro sino – dizia ele – foi comprado pelo primeiro marido dela, e tudo foi muito bem durante 15 anos. Aquele sino vivia a ecoar felicidade...

Até que o casamento acabou. Sobreveio a solidão. O sino, então, resolveu badalar com mais afinco: era preciso preencher com felicidade o vazio deixado no desfalcado par. E ele se esforçou tanto, mais tanto, mais tanto, que ficou debilitado e, num dia de ventania, foi levado!

O tempo passou e passou sem sino. Até que o novo membro par, perguntando por que aquela varanda com tanto vento não tinha um sino da felicidade, ouviu dela:

_ Até tinha, mas, depois do divórcio, o vento levou. Talvez, porque não houvesse mais felicidade a celebrar.

Pois bem, não se passou muito tempo e lá chegou ele com um sino. Conhecedor da história do primeiro sino, ele tratou de comprar outro, como a dizer que a felicidade voltara.

E não é que funcionou?!?

Tudo foi bem com o segundo casamento e o segundo sino, durante 8 anos...

Até que reapareceu a solidão, voltando a ocupar o lugar do amor. E o sino, mais uma vez, pôs-se a badalar e badalar e badalar, tentando expulsar a solidão e ocupar com felicidade seu lugar. Mas, de novo, o vento, até então um aliado, tornou-se seu algoz, levando o já combalido sino embora.

E foi assim que, durante muito e muito e muito tempo, nesta varanda, o vento - inútil e só - ventou,  sem um sino ao qual ajudar a produzir felicidade. Tristemente, o vento foi compreendendo que não deveria ter atendido ao pedido dos sinos para soprar cada vez mais fortemente, naquele afã de encobrir a solidão.

Um dia,  a moça, sentindo esse vento solitário, resolveu que ela compraria um sino. Ela seria a dona de sua felicidade!

E, desde então, eis-me aqui a tilintar felicidade, sem esforço.

O filtro dos sonhos, tendo acompanhado atentamente a estória, disse, meio desconfiado:

_ Está tudo muito bem, está tudo muito bom, mas como você sabe sobre os outros sinos? Você chegou muito depois deles!

_ Somos todos um.