quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Pasmem!


As angústias da adolescência estão em um passado bem distante, quando a insatisfação com o corpo extremamente magro era dilacerante e o coração parecia estar exposto a todas as agruras da vida. 
As incertezas da juventude há muito que se foram, quando me punha a pensar o que seria de mim, onde e como estaria dali a dez anos. O futuro – se chegasse! – me parecia um lugar escuro e assustador, visto que não estava nem um pouco satisfeita com o presente e não via, para onde quer que olhasse, perspectiva de mudança, sabendo que não suportaria por muito tempo aquela existência, até ali, de sacrifício e luta sem esperança. Sabia que a vida podia ser diferente; só não sabia como conseguir chegar lá. Estudar? Sim, estudava e muito. Trabalhar? Sim, trabalhava. Tentei, inclusive, dois empregos. O que não contribuiu nem um pouco para a mudança de meu corpo que continuava dez quilos abaixo do que seria normal em minha idade; não podia, sequer, doar sangue.
Muitos anos depois, me vejo, finalmente, lá! Naquele lugar que sabia existir: um bom emprego, uma casa confortável, num bairro decentemente abastecido das comodidades a que todos deveriam ter direito – condução adequada (quatorze minutos de metrô até o trabalho, no Centro), supermercados a cinco minutos de caminhada, farmácia e hortifrúti em frente ao portão, faxineira uma vez por semana.
E é quando os médicos começam a me mandar caminhar, fazer exercício, sabe, talvez saltar uma ou duas estações de metrô antes de casa, para – pasmem! – perder peso!


 _ Como assim?!? Quando foi que engordei tanto? Não me dei conta!

E o médico disse:

_ Pois agradeça a seu corpo. Ele fez isso para protegê-la do mundo. Se você tivesse continuado magra, não teria sobrevivido a tudo pelo que precisou passar.

Lágrimas de compreensão e agradecimento vazaram por mim, enquanto eu fazia uma prece:

_ Querido corpo, sou grata, por você ter engordado. Compreendo e agradeço por você ter feito isso para nos proteger; para que pudéssemos viver.
Mas, agora, não é mais necessário. Estamos bem; vamos ficar bem; a vida já é boa; nada mais nos aflige; aquela luta terminou. Chegamos! Vencemos!
Sou muito agradecida a você, amado invólucro de minha alma!